Livro de Uroterapia

TRADUÇÃO: ANANDA NACIF NUNES, MARIA LUIZA VEIGA, UBIRAJARA BARROSO Livro de Uroterapia Uma abordagem baseada em casos ESPU, ESPU-N, ICCS 2022 ILUSTRAÇÃO: DIMME VAN DER HOUT ANKA NIEUWHOF-LEPPINK, JENS LARSSON, GUNDELA HOLMDAHL, ANJU GOYAL

1 Índice Prefácio ................................................................................................................................................ 3 Seção 1 Introdução ............................................................................................................................. 4 1. Prefácio ...................................................................................................................................................4 2. Objetivos da Aprendizado ....................................................................................................................6 Seção 2 Aspectos Gerais ..................................................................................................................... 7 1. Disfunção Funcional do Intestino e da Bexiga ...................................................................................7 2. Uroterapia e Uroterapeutas ..................................................................................................................8 3. Abordagem da Equipe...........................................................................................................................9 4. Avaliação e Diagnóstico ......................................................................................................................10 5. Intervenções Terapêuticas .....................................................................................................................12 6. Avaliação do Tratamento.......................................................................................................................15 Seção 3. Casos ...................................................................................................................................17 Caso 1: Tratamento de constipação em um menino de 7 anos .............................................................17 Caso 2: Tratamento de bexiga hiperativa e enurese em um menino de 9 anos ..................................25 Caso 3: Tratamento de micção disfuncional de uma menina de 10 anos .............................................38 Caso 4: Tratamento de bexiga hipoativa em uma menina de 14 anos .................................................52 Caso 5: Incontinência do riso e tratamento de uma menina de 10 anos ..............................................59 Referências ........................................................................................................................................70 Sites úteis ...........................................................................................................................................75 Isenção de responsabilidade ("Disclaimer")..................................................................................75 Anexos ................................................................................................................................................ 76 Diário Vesico Intestinal ..............................................................................................................................76 Escala de Bristol de Fezes...........................................................................................................................79

2 Fábrica do cocô ...........................................................................................................................................80 Diário de treinamento da bexiga ..............................................................................................................82 Instruções de treinamento.........................................................................................................................83 Fábrica do xixi .............................................................................................................................................87 Diploma .......................................................................................................................................................89 Instruç õ es de treinamento do alarme para enurese ...............................................................................90 Diário de treinamento com alarme noturno............................................................................................93 “TELE COACHING” Atendimento telefônico ............................................................................................94

3 Prefácio É um grande prazer e uma honra escrever um prefácio para a web book de Uroterapia. Este livro foi totalmente concebido e realizado dentro da European Society Pediatric Urology (ESPU) graças aos esforços dos autores pertencentes ao grupo de enfermeiras da ESPU e ao Comitê Educativo. A uroterapia é uma importante modalidade terapêutica e uma peça-chave no tratamento das doenças funcionais da bexiga, mas requer pessoal especializado e dedicado, com formação e motivações específicas. Infelizmente, mesmo na Europa, a uroterapia não é tão difundida quanto seria necessária e desejável, devido à falta de uroterapeutas especializados e falta de recursos. Estas razões levaram-nos a promover esta web book, na esperança de que possa ajudar na difusão do conhecimento e prática destas técnicas e procedimentos, mas, especialmente, que ajude na compreensão dos mecanismos funcionais subjacentes ao aparecimento de disfunções do trato urinário inferior. Este livro é muito prático, baseado na descrição e discussão de casos típicos de disfunções do trato urinário inferior (DTUI) e tenho certeza de que logo se tornará popular entre nossos membros que o encontrarão em nosso site. Mais uma vez a ESPU demonstrou ser uma Sociedade ativa com especial interesse na promoção e difusão de todas as vertentes do conhecimento da Urologia Pediátrica. Eu gostaria de agradecer novamente, também em nome dos membros da ESPU, aos autores por seus tremendos esforços e trabalho dedicado. Emílio Merlini FEAPU Presidente da ESPU, 2022 - setembro

4 Seção 1 Introdução 1. Prefácio A uroterapia é a primeira linha de tratamento para problemas funcionais da bexiga e do intestino, como incontinência urinária diurna, enurese noturna, constipação funcional e incontinência fecal. O tratamento não é invasivo e se concentra na reeducação e reabilitação para o controle da bexiga e do intestino. A uroterapia tem como objetivo alcançar a normalização do padrão miccional e intestinal e prevenir novos distúrbios funcionais através do treinamento repetido. A uroterapia padrão enfatiza a educação da família e da criança e sugere mudanças simples no estilo de vida como tratamento. Essas mudanças no estilo de vida incluem a quantidade de líquido a ser ingerido ao longo do dia e com que frequência a criança deve urinar. A uroterapia também visa ensinar a criança a forma correta de urinar, ou seja, posturas adequadas, contrações e relaxamento da musculatura do assoalho pélvico. Acompanhamentos regulares juntamente com um diário da bexiga são então usados durante um período de meses, à medida que a criança implementa os conselhos de tratamento. Problemas intestinais podem resultar em disfunção do trato urinário inferior. Os problemas da bexiga e do intestino podem ser complexos e as causas podem estar interligadas, tornando os planos de tratamento desafiadores. Problemas como constipação e qualquer infecção do trato urinário (ITU) são abordados no início do plano de tratamento. O ponto final do tratamento de uroterapia é considerado quando os pais e a criança estão suficientemente satisfeitos com o progresso e os profissionais de saúde estão satisfeitos com o tratamento de quaisquer fatores de ingestão e micção que possam afetar a função intestinal e da bexiga. Se a uroterapia padrão não funcionar, recomenda-se a uroterapia específica. A uroterapia específica concentra-se no treinamento intensivo da criança, em que três elementos de

5 aprendizagem, como urinar, quando urinar e com que frequência urinar, são essenciais para ensinar o comportamento miccional adequado. A uroterapia específica envolve elementos multidisciplinares, como suporte psicológico e modificação comportamental, biofeedback por meio de medidor de fluxo e/ou fisioterapia. A uroterapia é considerada uma "especialização" e pode ser realizada por profissionais de saúde como enfermeiro, fisioterapeuta ou psicólogo, com formação específica. Devido à etiologia multifatorial da condição, espera-se que o profissional cuide dessas crianças com problemas somáticos, psicossociais e comportamentais entrelaçados. Importante indicador de menor qualidade de vida relacionada à saúde é a gravidade da incontinência e/ou comorbidades, como problemas sociais e emocionais. 4 Este livro contém etapas e estratégias comprovadas sobre como aplicar corretamente os princípios da uroterapia. Por meio de casos clínicos, pretendemos apresentar as realidades da prática. Esperamos que isso facilite os uroterapeutas, incluindo enfermeiros e fisioterapeutas, a dominar informações essenciais sobre problemas de bexiga e intestino, diagnósticos e ferramentas terapêuticas, incluindo biofeedback, intervenções comportamentais e terapia farmacológica. Cada um dos 5 casos apresenta a história de uma única criança com uma ou várias condições relacionadas à bexiga e/ou intestino. Os casos abrangem crianças em idade escolar com diferentes antecedentes e condições de distúrbios funcionais da bexiga, como constipação, bexiga hiperativa, micção disfuncional, incontinência urinária, bexiga hipoativa e enurese noturna, bem como uma variedade de aspectos da avaliação, diagnóstico e intervenção da uroterapia. O texto contém hiperlinks que fornecem materiais utilizáveis, como um diário da bexiga, desenhos, explicações e instruções de treinamento. A avaliação, o diagnóstico e os elementos da uroterapia são enfatizados ao longo de cada caso, ajudando a promover a tomada de decisão clínica.

6 2. Objetivos da Aprendizado Tópicos abordados: - Diagnóstico: como avaliar a criança e priorizar o atendimento de forma adequada. Como formular um diagnóstico/subdiagnóstico com base na história médica e psicossocial. - Ferramentas de diagnóstico: como usar fluxometria, diário miccional, ultrassom e questionários. - Ensino do paciente: como educar a criança e os pais de forma eficaz. - Paciente: como reconhecer e abordar as preocupações da criança/pais. Quais perguntas são úteis no raciocínio clínico e no diagnóstico correto? - Problemas comportamentais em crianças com incontinência. - Como formular: um plano de tratamento baseado nas melhores evidências atuais, conhecimento profissional e valor(es) e preferências da criança e seu ambiente. - Quais são os elementos uroterapêuticos e como utilizar as ferramentas terapêuticas em função do (sub)diagnóstico; fluxometria, diário da bexiga, biofeedback, treinamento do assoalho pélvico. - Como a psicoterapia cognitivo-comportamental está inserida no plano de tratamento? - As técnicas terapêuticas comportamentais: quais são as armadilhas e sucessos no tratamento, como motivar e apoiar a criança. - Se o tratamento não for bem-sucedido, quais são as causas mais óbvias e quais são os próximos passos. - O papel do uroterapeuta.

7 Seção 2 Aspectos Gerais Este livro usa a terminologia ESPU-ICCS globalmente aceita 1-4 Discutimos brevemente a terminologia, os aspectos do diagnóstico, o papel do uroterapeuta e a lógica dos planos de tratamento a seguir. 1. Disfunção Funcional do Intestino e da Bexiga A Disfunção Vesico Intestinal (DVI) é um termo abrangente que engloba a Disfunção do Trato Urinário Inferior (DTUI) e a disfunção intestinal. Os sintomas de DTUI são classificados de acordo com a relação entre a função da fase de armazenamento e/ou esvaziamento miccional da bexiga. Os Sintomas do Trato urinário Inferior (“Lower Urinary Tract Symptoms - LUTS) podem se manifestar como urgência e polaciúria com ou sem incontinência ou ITU recorrente. Os possíveis diagnósticos em crianças com LUTS são bexiga hiperativa, micção disfuncional, bexiga hipoativa, postergação miccional, incontinência de esforço, incontinência do riso, incontinência de refluxo vesicovaginal e enurese. Existem vários subtipos de incontinência diurna (tabela 1) que são classificadas de acordo com a relação da fase de armazenamento e/ou micção da bexiga. Os fatores de risco para esses subtipos de incontinência podem ser genéticos, demográficos, ambientais, comportamentais e físicos. Portanto, o tratamento é multidisciplinar, sendo necessário um diagnóstico preciso para o sucesso do tratamento. 1,2,4-8 Subtipos Sintomas Sinais Bexiga Hiperativa  Polaciúria  Urgência miccional  Incontinência  Constipação  Enurese  Hiperatividade do detrusor (Cistometria)  Manobras de contenção  Padrão de curva em sino/torre  Parede vesical espessada  Baixo volume miccional

8 Micção Disfuncional  Falha em relaxar o esfíncter durante a micção  Frequência miccional normal  Incontinência  Constipação  ITUs  Enurese  Resíduo pós-miccional  Padrão de curva em staccato ou interrompido  Volume miccional normal Bexiga Hipoativa  Baixa frequência miccional  Incontinência  Constipação  ITUs  Resíduo pós-miccional  Padrão de curva em staccato ou interrompido  Grande volume urinado  Contrações fracas do detrusor (Cistometria) Postergação Miccional  Baixa frequência de micção  Incontinência  Padrão de fluxo normal  Ingestão hídrica normal  Frequentemente associado a problemas de comportamento Subtipos de DTUI. A avaliação e documentação devem ser baseadas nos seguintes parâmetros: incontinência urinária (presença ou ausência e frequência), frequência miccional, urgência miccional, volumes miccionais, ingestão hídrica, critérios ROMA-IV. 2. Uroterapia e Uroterapeutas A uroterapia (também conhecida como treinamento da bexiga) é o tratamento de primeira linha para todos os tipos de incontinência funcional. Pode ser definida como a reeducação ou reabilitação da bexiga com o objetivo de retificar quaisquer anomalias corrigíveis da função de enchimento e esvaziamento da unidade bexiga-esfíncter. Comorbidades como constipação, infecções do trato urinário e problemas comportamentais devem ser

9 avaliados e tratados durante a uroterapia. Para comorbidades e hiperatividade grave da bexiga, a medicação pode ser necessária. O tratamento da incontinência em crianças costuma ser complexo e requer tempo e paciência. Uroterapeuta é um termo (ICCS) para profissionais de saúde com formação em psicologia, enfermagem, fisioterapia ou medicina, que obtiveram sua especialização por meio de treinamento específico e incluem enfermeiro especialista em continência infantil, fisioterapeutas infantis (assoalho pélvico) e psicólogos. O uroterapeuta deve ter conhecimento da anatomia, fisiologia e fisiopatologia do sistema gastrointestinal e urogenital. Além disso, o uroterapeuta deve compreender as avaliações psicológicas e comportamentais em crianças, permitindo-lhe analisar o problema da criança incontinente e recomendar modificações. 6 3. Abordagem da Equipe Tratar crianças com problemas de bexiga e intestino é um trabalho de equipe. Por isso, será sempre multidisciplinar na sua abordagem. Cada profissional de saúde fará avaliação da incontinência, triagem inicial de comorbidades comportamentais, educação da criança/família e ensino de plano de treinamento miccionais/intestinais. No entanto, áreas comuns de especialização e disciplinas específicas são necessárias. O papel do Uroterapeuta A uroterapia é especificamente fornecida pelo uroterapeuta que faz um plano de tratamento e aconselha a criança e os pais durante o tratamento. Uroterapeutas ensinam habilidades e aconselham a mudar padrões de comportamento, portanto, eles devem ser capazes de treinar a criança e ter contato frequente com a criança e os pais. Em determinadas situações, o uroterapeuta deve ter coragem de fazer uma pausa no tratamento. O tratamento contínuo sem bons resultados causa frustração e desmotivação nas crianças e nos pais.

10 O papel dos fisioterapeutas Os fisioterapeutas são especializados em avaliar a disfunção muscular e prescrever exercícios como relaxamento, fortalecimento ou resistência dos músculos do assoalho pélvico para facilitar a defecação e tratar a micção disfuncional. O fisioterapeuta contribui para a avaliação musculoesquelética e análise do movimento. Os fisioterapeutas podem usar a ultrassonografia abdominal e perineal para avaliar o assoalho pélvico e a função dos músculos abdominais e fornecer biofeedback. O papel do Médico O médico (urologista/pediatra) avaliará os sintomas da criança, o histórico médico, fará um exame físico e descartará problemas neurogênicos e anatômicos. Em caso de falha da uroterapia, a equipe médica pode decidir pela prescrição de medicamentos e/ou realização de exames complementares, como urodinâmica invasiva ou cistoscopia. O papel dos Psicólogos A incontinência pode estar associada a uma grande variedade de sintomas e distúrbios psicológicos. Se questionários comportamentais, como o CBCL (Child Behavior Checklist) ou SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire) sugerirem problemas emocionais e comportamentais, uma avaliação psiquiátrica/psicológica completa e tratamento são necessários. Além disso, quando o tratamento falha devido a problemas de comportamento, ansiedade ou depressão, é bom procurar o conselho de um psicólogo. 20 4. Avaliação e Diagnóstico O diagnóstico pode ser feito com base na história, exame físico, urofluxometria, ultrassonografia não invasiva e diários miccionais/intestinais. O Dysfunctional Voiding Symptom Score (DVSS) é a ferramenta mais comumente usada para avaliar e monitorar o progresso do tratamento. Questionários comportamentais e questionários de qualidade de vida são ferramentas importantes para avaliar o funcionamento de crianças. 1-8

11 É tarefa do uroterapeuta avaliar o problema da criança, sua gravidade, o impacto na qualidade de vida e a motivação para o tratamento e decidir quais etapas (sequência do tratamento) ou elementos da uroterapia são necessários. O pensamento crítico é crucial, e as três perguntas a seguir, devem ser feitas no início e reavaliadas durante o tratamento: 1. Existe um diagnóstico claro e qual subtipo de incontinência está presente? Um diagnóstico preciso é importante para iniciar o tratamento correto. O pilar de um bom diagnóstico é principalmente uma extensa história de micção, incluindo frequência urinária, urgência, quando e como a incontinência ocorre, formas de lidar com problemas da bexiga, história de infecções febris do trato urinário e posição no banheiro. A história de defecação focada nos critérios de Roma IV para constipação é importante. 2. A uroterapia é a terapia de escolha para o problema da criança? Antes de iniciar o treinamento da bexiga, as causas anatômicas e neurológicas da incontinência devem ser excluídas. O tratamento deve primeiro abordar as infecções do trato urinário (se presentes), seguido pelo controle da disfunção intestinal (se presente) e, em seguida, a incontinência diurna e, finalmente, a enurese noturna. 3. O desenvolvimento, a maturidade e o ambiente social da criança são adequados para se submeter a esse tratamento? A avaliação da história psicossocial é importante para julgar se a criança tem capacidade psicológica e motivação para entender seus problemas de bexiga e intestino e entender a lógica da terapia. O tratamento requer uma mudança no comportamento vesico-intestinal e, portanto, a criança deve ter disciplina e motivação para persistir, e a família deve ser capaz de apoiá-la durante esse processo. Com menos de 6 anos, as crianças não têm consciência corporal suficiente ou capacidade de autorreflexão e disciplina. Portanto, crianças menores de 6 anos não devem receber

12 uroterapia intensiva. No entanto, é mais importante explicar aos pais como dar suporte ao seu filho. Acontecimentos importantes, como mudança de escola ou chegada de um novo bebê, podem ser motivos válidos para adiar o início do tratamento. Problemas de interação dentro da família também podem ter um impacto negativo nos resultados do tratamento. Distúrbios comportamentais e emocionais, como TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), são vistos com mais frequência em crianças com incontinência funcional. É fundamental estar atento a esta realidade. Recomendase o uso de questionários como o Child Behavior Checklist (CBCL) (consulte: www.aseba.org ) ou Strength and Difficult Questionnaire (SDQ) (consulte: www.sdqinfo.org/a0.html ) para coletar informações sobre o comportamento se houver motivo para preocupação. Problemas comportamentais interferem no tratamento e resultam em resultados menos favoráveis. 18-20 Será útil examinar cada um desses três itens separadamente, mas é importante observar que esses elementos estão inter-relacionados. 5. Intervenções Terapêuticas Treinamento de toalete para constipação A constipação deve ser abordada antes do tratamento da incontinência diurna. A impactação fecal causa pressão no colo da bexiga e na uretra, o que pode estar contribuindo para os LUTS. O tratamento consiste em um programa de toalete e medicação com laxantes e conselhos de estilo de vida saudável. 1,4,14 Treinamento de toalete: A criança é orientada a ir ao banheiro por aproximadamente cinco minutos após as refeições (para aproveitar o reflexo gastrocólico) para tentar defecar. A criança deve ser estimulada a empurrar ativamente, com os pés firmes no chão ou apoiarse em um banquinho, se necessário. O objetivo é flexionar os quadris além de 90 graus, o que permite que o ângulo anorretal aumente, facilitando a defecação. A criança deve estar

13 ativamente envolvida nisso e não deve, por exemplo, ler um livro que distraia sua atenção. Para otimizar o efeito da orientação, é bom dar à criança uma tarefa específica. Por exemplo, pode-se pedir às crianças que empurrem ativamente dez vezes com a barriga e segurem por um tempo, depois relaxem e pressionem dez vezes novamente. Os resultados são registrados em um diário de defecação, distinguindo entre defecação espontânea e defecação planejada durante a sessão de toalete. Isso ajudará a criança a reaprender o senso de urgência. O diário dá uma visão sobre o progresso do tratamento e terá um efeito motivador na criança e nos pais. Ao fazê-lo, também fornece uma impressão de adesão à terapia. Algumas crianças que têm um reto muito dilatado sem sensação de preenchimento precisarão de ajuda com lavagens ou enemas para iniciar o treinamento do toalete. Uroterapia padrão A uroterapia padrão combina avaliação (com registro das frequências miccionais, volumes miccionais e episódios de incontinência em um diário miccional) e educação e desmistificação, instruções de modificação comportamental, aconselhamento sobre estilo de vida em relação à ingestão de líquidos e apoio e incentivo às crianças e seus pais. 4,5,6 1. Uma parte crucial da uroterapia é fornecer aos pais e crianças, boas explicações sobre etiologia, prevalência e fisiopatologia. Isso tranquilizará os pais e os ajudará a entender as causas dos acidentes de incontinência da criança e a lógica da terapia. Isso melhorará a adesão. 2. São dadas instruções sobre a ingestão adequada de líquidos e micção regular durante o dia. A criança é encorajada a tentar ir ao banheiro sete vezes e beber sete copos por dia. 3. Explicação da postura correta do vaso sanitário é fornecida e aconselhado a usar um banquinho para apoiar os pés, se os pés não tocarem o chão com facilidade. Além disso, eles são ensinados a relaxar a barriga ao urinar. 4. Um diário da bexiga deve ser mantido para automonitoramento e motivação, e para fornecer à criança e aos pais informações sobre o progresso do tratamento e adesão. Depois de introduzir os elementos da uroterapia, a criança pratica em casa por no máximo

14 três meses. Durante este período de prática, o aconselhamento é dado durante acompanhamentos frequentes que podem ser presenciais ou virtuais (telefone/ vídeo). Uroterapia Específica Quando os resultados da uroterapia padrão são insatisfatórios, a uroterapia específica é recomendada para subtipos selecionados de DTUI. A uroterapia específica é multidisciplinar e compreende intervenções específicas, como suporte psicológico e modificação comportamental, biofeedback, fisioterapia, treinamento de alarme e neuromodulação. Pode ser combinado com farmacoterapia, se indicado. 5-8 O biofeedback é um componente importante da uroterapia específica. É o processo de obtenção de maior consciência da ação dos músculos/esfíncteres do assoalho pélvico por meio de instrumentos externos que fornecem informações sobre a ação desses músculos para aumentar a consciência e o controle voluntário da criança. O feedback visual ou auditivo pode ser usado, e isso junto com o treinamento e incentivo do terapeuta, visa melhorar o controle motor. O tratamento compreende em mostrar à criança quando a bexiga está vazia, usando urofluxometria em tempo real, ultrassom e/ou eletromiografia (EMG). - Fluxometria em tempo real: Neste método, a criança pode observar a curva de fluxo durante a micção. A criança será ensinada a reconhecer quando urina incorretamente e será instruída a continuar tentando, por meio de uma postura relaxada (assoalho pélvico relaxado) até conseguir uma curva contínua em forma de sino. - O ultrassom pode ser usado para verificar se a bexiga está vazia após a micção e essa medida dá feedback à criança sobre o desempenho. - Além disso, fisioterapeutas/uroterapeutas treinados e experientes podem realizar ultrassonografia transabdominal ou transperineal, que fornece feedback direto à criança sobre o movimento dos músculos do assoalho pélvico e seu efeito no colo vesical quando a criança contrai e relaxa o assoalho pélvico.5,6

15 - A eletromiografia (EMG) fornece informações adicionais sobre o uso do assoalho pélvico durante a micção, isso ajudará a criança a aprender como contrair e relaxar os músculos do assoalho pélvico voluntariamente. Treinamento dos músculos do assoalho pélvico A consciência dos músculos do assoalho pélvico (MAP) pode ser ensinada por meio da abordagem de corpo inteiro, usando técnicas como relaxamento progressivo, trabalho com a bola sentada e padrões sinérgicos conhecidos. A ação dos MAP no padrão de micção é um sinal de micção disfuncional. É caracterizado por um padrão de fluxo em staccato ou intermitente com tempo de micção geralmente prolongado e esvaziamento vesical incompleto. O objetivo é que a criança internalize a sensação de relaxamento e tenha consciência suficiente para praticá-la corretamente e aplicá-la durante o início e ao longo da micção. Ensinar a consciência dos MAP a uma criança, em particular, depende das necessidades de aprendizagem motora, que variam com muitos fatores, incluindo idade, consciência sensório-motora e capacidade cognitiva. Esteja ciente de que apenas o treinamento da musculatura pélvica sozinho não parece ser útil para ensinar a continência. A combinação de todos os elementos de uroterapia específica, modificação comportamental, acompanhamento frequente é fundamental. 6-8 Elementos chave de aprendizagem da uroterapia Essencialmente, as crianças aprendem como urinar, quando urinar e com que frequência devem urinar. Para alcançar os melhores resultados de treinamento, esses três elementos de aprendizagem devem ser praticados repetidamente juntos. 6. Avaliação do Tratamento Os resultados do tratamento podem ser avaliados objetivamente com base nos critérios da ICCS: sem resposta (0-49% de redução dos sintomas), resposta parcial (50-99% de redução dos sintomas) e resposta completa (100% de melhora). No entanto, o sucesso do

16 tratamento também é determinado pelo grau de satisfação da criança e dos pais com os resultados. A satisfação e a melhoria da qualidade de vida podem ser uma razão para encerrar o tratamento, em vez de uma busca persistente por resultados ideais. Quando a uroterapia falha, é importante que o uroterapeuta possa explicar o motivo. Uma condição médica subjacente pode explicar a falha. É aconselhável reavaliar se o diagnóstico inicial estava correto, realizando exame físico adicional e urodinâmica. 1-4 Quando as crianças são muito imaturas, elas podem não ter as habilidades cognitivas ou motoras para compreender e concluir a uroterapia. Uma situação familiar problemática, como o divórcio, pode ser motivo de fracasso. Às vezes, pode ser devido a uma incapacidade de formar um relacionamento e uma relação de trabalho com a família ("não deu conexão"). Então pode ser útil pedir a um colega que assuma e continue o treinamento. Às vezes é necessário mais apoio psicológico. Crianças com problemas comportamentais comórbidos, como TDAH, também podem ter dificuldades para entender e seguir instruções.

17 Seção 3. Casos Caso 1: Tratamento de constipação em um menino de 7 anos Objetivos: Depois de concluir este capítulo, você será capaz de:  Compreender a anatomia e fisiologia básica do sistema gastrocólico e ser capaz de explicá-lo ao paciente e familiares.  Compreender o impacto no paciente e na família quando ocorre constipação e incontinência fecal.  Conhecer os sintomas da constipação funcional em crianças.  Conhecer a avaliação básica e o tratamento da constipação.  Conhecer os tratamentos não farmacológicos e farmacológicos da constipação. Palavras-chave: Constipação, diário intestinal, critérios de Roma IV, treinamento esfincteriano, ultrassom Histórico No ambulatório John é um menino de 7 anos com peso e altura normais. Ele tem sofrido de incontinência fecal 1-2 vezes por semana nos últimos dois anos. Ele evacua de 4 a 7 vezes por semana e tem fezes de 3 a 5 na escala de Bristol. Ele não gosta de usar os banheiros da escola e evita defecar lá. Suas fezes são grandes e entopem o vaso sanitário, mas não são dolorosas para eliminar e não são duras.

18 Ele urina 3-4 vezes ao dia sem incontinência, urgência ou problemas para esvaziar a bexiga e não há enurese. Ele come uma variedade de alimentos e tem café da manhã regular, almoço e jantar. Ele bebe 3-4 copos de água ou leite por dia. A ultrassonografia abdominal do reto mostra dilatação retal de 3,7 cm e não sente vontade de fazer cocô. O abdome parece macio e indolor, mas algumas fezes podem ser sentidas no lado inferior esquerdo. Em casa e na escola Pais divorciados e ele mora com cada pai por uma semana. Tem dois irmãos menores, de 5 e 3 anos. Ele está em seu primeiro ano na escola e gosta muito de jogar videogame com seus amigos pela internet.  Sinais: quais são os sinais/problemas Se usar os critérios de Roma IV, há sinais de constipação funcional. o Incontinência fecal pelo menos uma vez por semana o Retenção de fezes na escola o Fezes grandes no banheiro às vezes o Diâmetro retal acima de 3 cm sem desejo defecatório Problemas em sua vida diária:  Não ir ao banheiro na escola  Muito tempo sentado na frente do computador  Uma abordagem diferente dos dois pais pode dificultar a manutenção de rotinas Critério Roma IV: Deve incluir dois ou mais dos seguintes itens, ocorrendo pelo menos uma vez por semana, por no mínimo 1 mês com critério insuficiente para diagnostico de Síndrome do Intestino Irritável (SII):  Duas ou menos defecações no banheiro em uma criança com idade de pelo menos 4 anos  Pelo menos um episodio de incontin6encia fecal por semana  Histórico de postura retentiva ou retenção voluntária excessiva de fezes  Histórico de movimento intestinal doloroso ou duro  Presença de grande massa fecal no reto  Histórico de fezes de grande diâmetro que podem obstruir o vaso sanitário  Após avaliação apropriada, os sintomas não podem ser totalmente explicados por outra condição médica.

19  Os pais o culpam pela incontinência fecal e dizem para ele ir ao banheiro para evitar perda e não ser preguiçoso Fase de avaliação e adesão:  Peça ajuda:  Encaminhado do ambulatório por incontinência de fezes.  Diagnóstico correto: Com altura e peso normais e história anterior de hábitos intestinais normais, isso nos diz fortemente que ele não tem nenhuma doença física que cause seus problemas de constipação. É sempre bom inspecionar a parte inferior das costas, os órgãos genitais e o ânus pelo menos uma vez para garantir que tudo esteja normal e que não haja cicatrizes ou hematomas que suspeitem de abuso sexual. Isso poderia ter sido feito pelo clínico geral, mas nem sempre. O uso dos critérios de Roma IV dá o diagnóstico correto de constipação funcional, ele preenche quatro dos seis critérios.4,14 Use o diário vesico intestinal (página 76) e a escala de Bristol de fezes (página 79) para perguntar à criança sobre o tipo de fezes.  Objetivos do tratamento:  Parar a incontinência fecal.  Parar o comportamento de retenção.  Estabelecer bons hábitos intestinais.  Plano de tratamento:  De acordo com as diretrizes da ESPGHAN (European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition)14 de 2014, existem três etapas principais de tratamento: evacuação de fezes velhas, tratamento prolongado com laxantes para evitar recaídas e tornar agradável o ato de defecar e, por último, treinamento de toalete com idas ao banheiro todos os dias.

20 Fase do tratamento:  Psicoeducação/instruções:  É essencial fornecer aos pais e à criança boas explicações sobre a etiologia, prevalência e fisiopatologia da constipação. Ao fazê-la, pode ser útil ilustrar com desenhos que a incontinência fecal não ocorre intencionalmente. Explique à criança e aos pais os sinais de constipação e como isso afeta a função do reto e os padrões normais de defecação. Usando modelos anatômicos e orientações com vídeo curto, pode ser compreensível até mesmo para crianças menores. Use a fábrica do cocô. (página 80) Por exemplo, comece mostrando a função normal do reto em um modelo anatômico e como a criança recebe o sinal e sente quando é hora de defecar. Em seguida, explique os diferentes achados e o que eles significam para a função do reto e como isso afeta a criança. Esta informação é vital para a adesão ao tratamento, que pode ser angustiante para a família com a medicação e dificuldades com as rotinas em casa. Ao explicar sobre o sinal de defecação, a criança pode entender porque é importante ir ao banheiro quando sente vontade de fazer cocô.  Os pais devem ser encorajados a não punir a criança, mas sim abordá-la positivamente. Também deve ser explicado que a constipação é de natureza recorrente, o que significa que muitas vezes é acompanhada por períodos bons e ruins. Além disso, deve ser dada orientação dietética em relação à ingestão adequada de líquidos e fibras.  Farmacoterapia:  Desimpactação de fezes velhas Recomenda-se o uso de enema uma vez ao dia por pelo menos 4 dias seguidos ou uma dose alta de polietilenoglicol (PEG) por 4-6 dias. De acordo com as diretrizes da ESPGHAN, a dose é de 1-1,5 g/kg/dia. Por exemplo, uma criança de 20 kg recebe 3-4 sachês por dia.

21 Os enemas costumam ter um efeito bom e direto, mas a desvantagem é que deve ser administrado por via retal, o que algumas crianças e pais acham angustiante. O polietilenoglicol é administrado por via oral, mas sua desvantagem é que ele precisa ser administrado por pelo menos quatro dias seguidos e aumenta o risco de incontinência fecal durante o tratamento. Este tratamento pode ser repetido se a constipação e/ou perda fecal voltarem. Isso não é incomum no início do tratamento.  Tratamento de manutenção: A dose de manutenção do polietilenoglicol é menor do que a dada no regime de desimpactação. A dose precisa ser suficiente para tornar as fezes moles e há diferenças individuais quanto ao tamanho da dose ideal. A família pode usar a escala de fezes de Bristol para monitorar a dose correta para seu filho. O objetivo do tratamento é que a criança faça cocô macio diariamente ou em dias alternados. O polietilenoglicol deve ser misturado com a quantidade correta de água e funciona retendo a água no cólon. Se a criança tiver dificuldade em tomar PEG, pode misturar com limonada ou suco. Pode ser tomado pela manhã ou à noite.  A família precisa estar atenta às recidivas no tratamento. Os sinais disso podem ser perda fecal ou defecação infrequente. Quando isso acontece, os pais precisam tratar com enema por 1-2 dias ou aumentar a dose de PEG por 2-3 dias para fazer o tratamento funcionar novamente.  O tratamento com PEG deve ser continuado por pelo menos 3-6 meses e, em muitos casos, por mais tempo. A criança precisa ter um hábito intestinal regular sem comportamento de retenção por alguns meses antes que a dose do PEG possa ser reduzida e finalmente encerrada. Se houver problemas recorrentes com incontinência fecal ou a criança começar a fazer cocô com pouca frequência, o tratamento precisa ser reiniciado.  Intervenções uroterápicas:

22  A terceira parte do tratamento são visitas regulares ao banheiro após as refeições, 1 a 3 vezes ao dia. Isso é para ativar o reflexo gastrocólico e estabelecer bons hábitos intestinais. Ficar sentado 5 a 10 minutos após a refeição aumenta a chance de evacuar regularmente.  A forma de sentar-se no vaso sanitário também é importante, pois pode variar muito entre as crianças. Se sentar mal (as calças muito para cima, sentar-se com as pernas não muito afastadas, inclinar-se muito para a frente, etc.) pode tornar mais difícil para a criança fazer cocô de forma eficaz. Ao sentar-se com as calças abaixadas abaixo dos joelhos, com as pernas afastadas e os pés apoiados no chão ou em um banquinho, o assoalho pélvico pode relaxar adequadamente tornando a evacuação mais eficiente.  Também é importante avaliar como a criança empurra as fezes para fora. Se a criança ao fazer força, puxa a barriga para dentro, contrai o assoalho pélvico, ela impede que o cocô saia. Se eles empurrarem a barriga para fora ao forçar e relaxar o assoalho pélvico, o cocô sai com mais facilidade.  De acordo com as diretrizes da ESPGHAN, existem 3 conselhos sobre alimentação que são recomendados:  Tome café da manhã, almoço e jantar. Esta é a melhor forma de ativar o reflexo gastrocólico.  Não coma muito pão e macarrão. Isso requer muita água para tornar o cocô macio, uma vez que as crianças podem ter dificuldade em beber.  Beba uma quantidade normal de água, 6-8 copos por dia. Não há evidências de que um aumento na ingestão de líquidos possa resolver a constipação, mas se a criança beber muito pouco, isso pode afetar a maciez do cocô.  A criança deve ser incentivada a ser ativa em seu tempo livre e não ficar parada o tempo todo, por exemplo, jogando videogame.  Prática: Apoiar a criança durante o tratamento, ajuda a ela/ele a entender que precisa praticar. Instruções claras e um diário intestinal auxiliam a criança a se manter

23 motivada. O objetivo do treinamento esfincteriano é que a criança aprenda a reconhecer a vontade de fazer cocô e, eventualmente, entenda que deve ir ao banheiro e não postergar.  Modificação: Ao decidir sobre o plano de tratamento, é importante avaliar a capacidade da família em aderir ao plano. A família pode lidar com enemas, administrar o PEG regularmente e ir ao banheiro após as refeições? 14 Se os pais são divorciados, como é o relacionamento entre os pais e como são decididos os planejamentos para a criança? Quem tem a guarda? Quanto tempo a criança passa com cada um dos pais? Se os pais tiverem má comunicação, a informação deve ser dada ao outro pai que pode não comparecer à consulta. Se houver preocupação com o bem- estar da criança devido ao conflito entre os pais, os serviços sociais podem ser envolvidos para ajudar a família. Os professores precisam ser envolvidos no tratamento? Na maioria dos casos, é difícil ir ao banheiro durante o horário escolar, mas se a perda fecal ocorrer durante a escola, isso pode ser necessário. Os professores precisam ser informados para que possam ajudar a criança a trocar de roupa em caso de incontinência.  Avaliação (ajustar o plano de tratamento): O contato e o apoio da família após a consulta inicial são fundamentais para controlar o andamento do tratamento. Existe o risco de, por causa do tratamento duro, a família não fazer como planejado. Por contato telefônico ou vídeo a família recebe apoio e incentivo para continuar o tratamento.

24 Em uma consulta ambulatorial, a reavaliação dos sintomas dá uma pista de como o tratamento está funcionando. Use os critérios de Roma IV novamente e veja se há alguma mudança para melhor. Se bem-sucedida, a avaliação ultrassonográfica do reto deve revelar um reto vazio com menos de 3 cm de largura sem desejo de evacuar. O tratamento resultou no efeito esperado? O padrão de defecação mudou e a perda fecal parou? Se a incontinência de fezes melhorar, mas depois voltar, pode haver uma recaída da constipação. Outro ciclo de evacuação com fezes duras pode ocorrer. Isso não é incomum em pacientes. A rotina do banheiro está funcionando? Se a incontinência não parar apesar do tratamento agressivo da constipação, pode haver necessidade de irrigação transanal (ITA) por algum tempo. Ao adicionar água por via retal ao cólon por meio de um conjunto de irrigação diariamente ou em dias alternados, o intestino esvazia melhor e um padrão de defecação normal é mantido. O paciente tem mais chance de ficar livre da perda de fezes ou ter uma melhora. A ITA é um tratamento invasivo que pode ser muito angustiante para alguns pacientes e pais, mas se eles se incomodarem com a incontinência, geralmente são mais positivos em dar uma chance. Fase final: Quando o tratamento resultou em um período de pelo menos 3-6 meses de bons hábitos intestinais com defecação diária e sem incontinência, o tratamento pode ser reduzido lentamente. Se a criança começou a fazer cocô sozinha, as rotinas após as refeições podem ser omitidas nesses dias. A dose de PEG pode ser reduzida gradualmente, por exemplo, uma vez por semana em ¼ da dose. Algumas famílias querem ir ainda mais devagar. Se a criança tiver ITA, os dias de irrigação podem ser reduzidos, não há problema em usar a irrigação mais esporadicamente no final.

25 Caso 2: Tratamento de bexiga hiperativa e enurese em um menino de 9 anos Objetivos Depois de concluir este capítulo, você será capaz de: 1. Compreender o impacto da incontinência persistente na qualidade de vida. 2. Implementar um plano de ensino para um menino de 9 anos e seus pais. 3. Comparar e contrastar características anatômicas e fisiológicas do trato urinário inferior em crianças. 4. Relacionar os achados da avaliação com o estado do trato urinário inferior da criança. 5. Identificar vários fatores associados à bexiga hiperativa, incontinência diurna e enurese noturna. 6. Descrever o plano terapêutico para BH/ Incontinência Urinária Diurna (IUD) e enurese noturna. Palavras-chave: BH, enurese noturna não monossintomática, urofluxometria, ultrassom, diário miccional, IUD. Histórico Davi é um menino de 9 anos diagnosticado com incontinência diurna e enurese noturna. Em casa e na escola Davi é o filho do meio de três irmãos. Ele tem um irmão de 12 anos e um irmão de 6 anos e mora com a mãe e o pai, no campo. Ele e sua família têm um cachorro e algumas galinhas. Seu pai é professor em uma escola secundária local e sua mãe é babá.

26 Seu irmão mais velho fez xixi na cama até os 10 anos de idade. Davi gosta de jogar futebol e videogame com seus amigos depois da escola. Ele gosta de ir à escola e adora matemática. Durante o verão, ele foi para um acampamento e o médico da família receitou desmopressina para controlar o xixi na cama durante o acampamento. Avaliação História: Davi vem com sua mãe para a clínica. Ele foi encaminhado pelo clínico geral, pois persiste com enurese durante o dia e a noite. Com base nas respostas, você obtém as seguintes informações: Ele tem perda durante o dia e noite e tanto a cueca quanto a calça costumam estar molhadas. Ele geralmente anda com a roupa molhada, que começa com uma grande mancha que fica cada vez maior. A mãe disse que o manda ir ao banheiro quando o vê realizando manobra de contenção, como a dança do xixi. Depois da escola, quando ele está jogando futebol ou videogame, ele fica molhado com mais frequência. O desejo imperativo de urinar é particularmente incômodo para ele. No total, sua frequência de micção é de cerca de 9 vezes por dia. Ele não precisa se esforçar ao urinar. Sua ingestão de líquidos é de cerca de 7 copos por dia. À noite, ele usa fraldas. Ele tem sono profundo e nunca acorda para fazer xixi. Davi não tem problemas com o cocô, não tem incontinência fecal, seus movimentos intestinais são diários e na escala de Bristol de fezes (página 79) tipo 3-4. Psicologicamente e socialmente: Antes da visita, sua mãe respondeu ao SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire): sua pontuação total foi 10, o que é normal e não há suspeita de nenhum problema de comportamento. Seus resultados escolares são bons e ele tem concentração normal. Gosta de ir à escola e ver os amigos.

27 Situação familiar: feliz e saudável. Impacto dos seus problemas na bexiga: ele se sente envergonhado quando precisa ir ao banheiro com frequência, especialmente quando está na escola. Suas calças molhadas são frustrantes, mas nem todos podem ver. Apenas seu melhor amigo sabe sobre seus problemas de perda urinária. Ele não gosta de ficar com os amigos. A desmopressina prescrita durante o acampamento de verão não foi eficaz e ele ainda estava molhado. Ele não quer usar isso de novo. Ele nunca sofreu bullying. Esportes: Futebol e ser torcedor do clube de futebol local é sua paixão. Seu diário miccional: Tempo Volume urinado (ml) Incontinência urinária Bebida (ml) Tempo Volume urinado (ml) Incontinência urinária Bebida (ml) 8:30 200 8:00 150 10:00 200 10:0 0 60 200 11:15 70 11:3 0 200 11:30 Cueca molhada 100 12:0 0 20 Gotas 13:0 0 200 12:30 80 13:3 0 90 14:00 90 200 15:3 0 200 17:00 70 Jeans molhado 250 17:0 0 50 Cueca molhada 18:00 400 18:0 0 200 18:30 100 18:1 5 100 19:30 100 19:0 0 80 200 19:2 0 120 19:4 0 110 20:0 0 120 Total 6 vezes 1.350 Tot al 9 vezes 1.350

28 Urofluxometria Ultrassom Diâmetro retal Resíduo pós-miccional Exame físico (feito por um médico) - Neurologicamente e anatomicamente, sem anormalidades. Ultrassonografia dos rins: comprimento normal, tamanho normal, ureteres normais. Espessura da parede da bexiga após micção 4 mm. 0 10 20 30 40 50 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 Fluxo (mL/seg) Urofluxo Tempo (seg)

29 Conclusão Davi é um menino com incontinência urinária diurna e noturna. Com base nos sintomas e no diário miccional, é feito o diagnóstico de bexiga hiperativa. Ele não tem constipação ou outras queixas. O primeiro passo é iniciar a uroterapia. Como ele tem um volume urinário pequeno, prescreva também oxibutinina 2,5 mg duas vezes ao dia, antes e depois da escola, para ajudá-lo a controlar a urgência urinária. Começar com oxibutinina não é apenas por razões urológicas, mas também para suporte mental; quanto mais cedo ele experimentar o controle de sua bexiga, melhor motivação ele terá para continuar seu treinamento e isso ajudará a melhorar sua autoconfiança. 1-3,6,9 Fase de tratamento Condições para o sucesso da uroterapia. A lógica da terapia, a motivação e as expectativas do paciente foram exaustivamente questionadas e discutidas. Objetivo final: No final do tratamento de uroterapia, ele tem menos ou nenhum acidente de enurese durante o dia e a noite. Ele e seus pais estão satisfeitos. Metas de curto prazo: 1. Explicação e desmistificação: Ele e sua mãe adquiriram uma compreensão adequada de como a bexiga funciona e o que há de errado em uma bexiga hiperativa. Eles sabem por que é difícil ficar seco durante o dia: fábrica do xixi (página 87) 2. Planejamento miccional: Ver caixa de texto abaixo e as instruções de treinamento (página 83). Ele e sua mãe sabem qual é a ingestão média de líquidos apropriada para sua idade e como distribuir adequadamente a ingestão de líquidos ao longo do dia.

30  Como urinar: ele aprendeu a posição do banheiro, sabe como ajustá-lo e quais recursos são necessários para isso.  Quando urinar: ele entende que deve ir ao banheiro ''quando você sente que tem que ir, você precisa ir''.  Com que frequência urinar: ele entende quando e com que frequência deve ir ao banheiro, um diário de treinamento da bexiga (página 82) será sua ferramenta de feedback.  Inibir a urgência prescrevendo anticolinérgicos, isso lhe dará algum alívio em relação às queixas de urgência. Objetivos de longo prazo: 1. Um aumento em seu volume máximo de micção, de acordo com sua capacidade vesical esperada. 2. Ele vai conseguir inibir a urgência, aumentar o tempo que consegue segurar a urina. 3. Ele estará seco à noite.

31 Instruções de treinamento (também caso 3) Você vai aprender: 1. Como você deve fazer xixi (de forma relaxada). 2. Quando você deve fazer xixi (tente ir quando sentir necessidade). 3. Com que frequência você deve fazer xixi (cerca de sete vezes por dia). Se você está ocupado e sente que precisa fazer xixi, você deve ir ao banheiro imediatamente! Você pensará: “É melhor eu fazer xixi para ter certeza de que posso atingir minha meta de fazer xixi sete vezes por dia”. Na escola, você também terá que fazer xixi (durante o intervalo, se puder). Tente ir mesmo que o banheiro esteja muito sujo. Se for preciso, você pode fazer xixi em pé na escola. Quando você estiver no banheiro, lembre-se de: • Sente-se ereto, com os pés apoiados no chão ou em um banquinho. • Mantenha a barriga relaxada. • Espere até o xixi chegar e não o force. • Xixi de uma só vez (ouça com atenção para ter certeza de que você está urinando de uma só vez). • Expire suavemente ou cante enquanto estiver urinando. Cada vez que você fizer xixi, assine a lista. Certifique-se de que a lista seja mantida no mesmo lugar para que você possa assiná-la com rapidez e facilidade. Se você fez xixi enquanto estava na escola, deve se lembrar disso por um tempo. Você pode escrever uma linha em sua mão, por exemplo, para não esquecer. Você pode adicionar isso à lista quando chegar em casa. No final do dia, seu pai ou sua mãe escreverão algo na sua lista. Lembrar!!! Tente fazer isso da melhor maneira possível. Vá ao banheiro porque você sabe que é importante. Você não se sente muito bem? O quanto cheia está sua bexiga, é por isso que você deve ir sempre na hora certa, 7 vezes por dia. Se você se esquecer de fazer isso, existe o risco de sua bexiga ficar muito grande. Se você não gosta de ir, pense “É melhor eu ir e alcançar meu objetivo". Certifique-se de beber o suficiente em casa (1,5 litros). Você deve tentar sentir quando precisa ir. Sua mãe ou seu pai podem ajudá-lo dizendo “1-2-3”. Você então se pergunta: “Eu preciso fazer xixi?"

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